quinta-feira, 26 de março de 2009

Amebas trabalham em conjunto para produzir superorganismo no Texas

Após produzir superlativos como a maior estátua de uma lebre e o presidente mais impopular dos dias modernos, o Texas agora pode ostentar o mais bizarro e indubitavelmente mais pegajoso campeão até hoje: a maior colônia conhecida de amebas clonais do mundo.
Carol Kaesuk Yoon
Do 'New York Times'
Criaturas são geneticamente idênticas e cooperam entre si. Estudo pode ajudar a entender evolução das criaturas unicelulares.
Campo de amebas geneticamente idênticas no Texas intriga cientistas
(Foto: Owen Gilbert/Rice University)
Cientistas descobriram o grande e pegajoso império de 13 metros de comprimento, formado por bilhões de indivíduos unicelulares geneticamente idênticos, se espalhando ao longo do lixo orgânico de um pasto próximo a Houston.
"Foi muito inesperado", disse Owen M. Gilbert, estudante de graduação da Universidade Rice e principal autor do relatório na edição de março da publicação "Molecular Ecology". "Não se parecia com nada que já havíamos visto antes."
Cientistas dizem que a descoberta é muito mais que uma mera curiosidade, pois a colônia consiste das chamadas amebas sociais. Um oximoro apenas aparente, as amebas sociais são capazes de se juntar em grupos organizados e se comportar cooperativamente, algumas chegando a cometer o suicídio para ajudar na reprodução de colegas amebas. A descoberta de uma colônia tão grande de amebas geneticamente idênticas oferece uma visão sobre como essa cooperação e sociabilidade podem ter evoluído, e pode ajudar a explicar por que os micróbios estão apresentando comportamentos sociais com maior frequência do que esperado.

Organização
"Isso é de significativo interesse científico", disse Kevin Foster, um biólogo evolucionista da Universidade Harvard não envolvido no estudo. Embora as amebas pareçam incapazes de coordenar interações entre si em mais do que distâncias microscópicas, a descoberta de uma colônia clonal tão massiva, segundo ele, "levanta a possibilidade de que as células possam evoluir para se organizar em escalas de espaço muito maiores."
Pensamentos de uma colônia gigante e organizada de amebas podem evocar visões do clássico de horror de 1958, "A Bolha Assassina", mas essas amebas sociais, uma espécie conhecida como Dictyostelium discoideum, um tipo de micetozoário, são infinitamente mais sutis. Microscópicas e enfiadas na terra, os bilhões de amebas teriam passado despercebidas por alguém dirigindo através do pasto.
Joan Strassmann, autora do artigo juntamente a outro biólogo evolucionista da Universidade Rice, David Queller, contou que ela e um grupo de alunos procuraram pela espécie espetando canudinhos na terra e no esterco de vaca para obter materiais onde as amebas poderiam estar vivendo. No laboratório, eles dividiam as amostras em placas de petri e esperavam para ver o que cresceria. Análises posteriores de DNA mostraram que a enorme variedade de amebas coletadas no pasto eram geneticamente idênticas.
Bernard Crespi, biólogo evolucionista da Universidade Simon Fraser, no Canadá, disse que o estudo foi o primeiro a demonstrar claramente "o extremo da ligação" em micróbios sociais, uma população de indivíduos geneticamente idênticos. Uma colônia como essa oferece as condições ideais para estimular a evolução de comportamentos como cooperação, pois quanto mais similares forem dois organismos, mais a seleção natural favorecerá a assistência mútua entre eles.
A Dictyostelium, por exemplo, pode realizar impressionantes feitos de cooperação, engajando-se no que é conhecido como altruísmo suicida – um comportamento no qual amebas individuais se unem para formar um único corpo, com algumas delas se sacrificando para permitir uma reprodução de amebas mais eficiente em outras partes do corpo.
Cientistas dizem que, caso se descubra que outras espécies também apresentam essas colônias clonais, isso poderia ajudar a explicar a surpreendentemente frequente descoberta de comportamentos sociais entre micróbios. Mas ainda não se sabe exatamente quais condições estimulam o florescer de clones. Cientistas dizem que foi estranho encontrar micetozoários prosperando em campo aberto, já que eles preferem solos em florestas fechadas. É possível que o caminhar das vacas tenha acelerado o crescimento da colônia clonal gigante ao espalhar as amebas pelo esterco, disse John Bonner, professor-emérito de ecologia e biologia evolucionária da Universidade Princeton.
Enquanto isso, por mais impressionante (ou até mesmo ameaçadora) que possa soar uma colônia com alguns bilhões de amebas, ela acabou sendo surpreendentemente frágil.
"Apenas uma semana depois, tinha chovido muito, e basicamente ela havia terminado", disse Gilbert.

Gigantes e frágeis
Aparentemente, efêmera é a natureza de grandes fenômenos envolvendo amebas, pois o clone do Texas não foi a primeira a diminuir inexplicavelmente até o nada. Cientistas dizem que os últimos traços do que em certo ponto pode ter sido a maior ameba individual do mundo – e a estrela de um programa de pesquisa altamente produtivo – encolheu em seu laboratório até desaparecer, no verão passado.
Manfred Schliwa, um biólogo celular da Universidade de Munique, cruzou pela primeira vez com o organismo, conhecido como Reticulomyxa, basicamente por acidente enquanto se espalhava pelo aquário de seu escritório na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde então ele era professor.
A ameba, uma bolha sem forma definida, cujos pedaços podiam se separar para assumir vida própria, se alimentava tão avidamente de pedaços de comida para peixes que acabou conquistando o status de gigante entre os micróbios, com seu corpo atingindo mais de uma polegada de comprimento.
Uma enorme célula única, a ameba foi estudada por Schliwa e colegas para a compreensão do movimento de uma parte da célula para outra, um processo que foi facilmente visualizado e que ocorreu com extrema rapidez na grande Reticulomyxa, que em seu maior tamanho poderia hospedar mais de um bilhão de núcleos – enquanto constantemente trasladava partes de célula e o que quer que fosse através de sua forma titânica.
Schliwa, ainda confuso pela morte de sua ameba gigante, espera ainda obter uma nova e selvagem Reticulomyxa, embora sob condições naturais o organismo seja muito menor e viva no solo, tornando-o difícil de enxergar. Na verdade, como a colônia de amebas sociais, as amebas gigantes poderiam estar em qualquer lugar sob nossos pés sem que ninguém percebesse.
"Eu costumava brincar", disse Schliwa, "que pode haver um organismo gigante no solo cobrindo todo o continente, e onde quer que enfie uma pá, você terá um pedaço dele."
Onde será encontrada a próxima ameba gigante? Schliwa aponta que a descoberta original da "ameba definitiva" foi feita na década de 1940, por uma pesquisadora chamada Ruth N. Nauss. Ela encontrou a espécie num parque de Nova York.
FONTE: G1

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